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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

FRANCISCO DE ASSIS E AS BEM-AVENTURANÇAS

O texto do Evangelho proclamado e refletido na Eucaristia do 4º Domingo do Tempo Comum mostra Jesus subindo ao monte, como novo Moisés e, sentado, como o mestre por excelência, proclama o sermão das bem-aventuranças.

Se Moisés, ao subir ao monte Sinai, viu Deus face a face e desceu de lá com os dez mandamentos, as normas e leis que assegurariam a felicidade, a liberdade e a paz do povo eleito, Jesus, ao proclamar Seu sermão, voltado para as multidões de pobres que o seguiam, mostra a face de um Deus acessível ao povo e que o leva a sério, propondo-lhe não novas leis, mas os verdadeiros e únicos critérios capazes de fazer o povo feliz, livre e portador da paz verdadeira:

“Vendo aquelas multidões, Jesus subiu à montanha. Sentou-se e seus discípulos aproximaram-se dele.
Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos céus! Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados!
Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra!

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!
Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia!
Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus!

Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus!
Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus!

Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim.Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós.


O Sermão das Bem-aventuranças não quer justificar nem enaltecer a pobreza, o sofrimento, a perseguição, mas quer mostrar que somente as pessoas que não põem sua confiança e segurança no dinheiro e no poder, mas que estão dispostas a lutar pelo bem de todos, que buscam e constroem a felicidade não só pessoal, mas querem ver todos felizes, são capazes de provocar verdadeiras mudanças na sociedade. Essas pessoas são pacíficas porque não acreditam que a paz e a segurança podem ser obtidas pela força das armas, mas pelo diálogo e pelo acolhimento do diferente. Elas choram porque sofrem com o sofrimento dos outros. São misericordiosas porque acreditam num Deus que é amor e que nos enviou Seu Filho para salvar e dar a vida por todos. São perseguidas, caluniadas porque não se calam diante da injustiça, mas lutam pela construção de um mundo justo onde a voz dos pequenos e pobres é ouvida e seus clamores e opressão levados a sério.

Francisco de Assis foi alguém que acolheu e levou a sério as bem-aventuranças e fez delas os critérios evangélicos que orientaram e motivaram sua vida. Daí porque, ainda hoje, é modelo de vida e compromisso com a paz, a justiça e o respeito devido à natureza. Sua vida enraizada na de Jesus e guiada pelo Evangelho faz dele, em pleno século XXI, um homem que fez uma experiência de Deus muito especial a ponto de nos deixar uma espiritualidade que não cessa de ser buscada, estudada e enriquecida por uma legião de homens e mulheres arrastada pelo seu exemplo de vida.

Frei Marconi Lins, OFM

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

INSCRIÇÕES ABERTAS!



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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A LÓGICA DO DOM

A lógica do ter está muito presente em nosso dia a dia: diante da televisão, ouvindo o rádio, lendo o jornal ou caminhando em nossa cidade, nossos olhos e ouvidos se deparam com a propaganda que nos convida a ter, a comprar, a adquirir algo que nem sempre estamos precisando.

Certamente que temos que comprar o essencial para viver: comida, roupa, e as coisas necessárias para as atividades diárias. Também temos que ter um lugar para morar e conviver com a família e onde descansar. Mas fora isso, precisamos disciplinar nossos ouvidos, nossos olhos para que nossos desejos não sejam desenfreados e ávidos por desejar tudo o que vemos em nossa frente.

Se quisermos que nosso planeta continue existindo e sendo nossa casa comum, temos que mudar nossa lógica de pensar, sentir e agir. Hoje falamos em busca de alternativas para encontrarmos um modo de viver mais harmonioso entre nós e com a natureza na qual vivemos e da qual dependemos. Basta acompanhar o número de veículos novos que entram em circulação em todo o mundo, com as facilidades de aquisição e a mentalidade individualista que vai sendo gerada, para perceber que o planeta se ressente pela poluição e a qualidade de locomoção das pessoas nas grandes e médias cidades é sempre mais precária!

Será preciso rever o modo de locomoção voltado para o comunitário e não para o individual. Estamos certamente numa encruzilhada que exige a lógica de São Francisco, a lógica do dom, que nos é proposta pelo Evangelho de Jesus Cristo.

Se a vida é um dom, se cada pessoa é um dom de Deus, se a criação é dom do Altíssimo e Bom Senhor para todos nós, temos que viver nessa lógica. É o que é mesmo a lógica do dom? Significa que tudo pertence a Deus, tudo o que é bom tem Nele origem e para Ele se destina! Tudo é dom, é presente que nos foi dado! Temos de cuidar da vida em todas as suas manifestações: da nossa vida, da vida do próximo, da natureza...

Nesta lógica, é possível aos governantes pensar em meios de transporte bons, eficientes e confortáveis para o maior número de pessoas possível. Nesta lógica os carros particulares seriam menos numerosos e fabricados para as necessidades e não como artigo de luxo e de consumo. Mas nesta lógica nossa vida pessoal também muda radicalmente: se tudo é dom de Deus para todos, temos que viver uma vida sempre mais comunitária e menos individual. Hoje tudo é individualizado, pondo em risco a convivência, o estar juntos. As famílias que tem economicamente um pouco mais, possuem dois ou mais aparelhos de TV. Assim cada um vive para si, ninguém que ser incomodado ou incomodar o outro, mas perde-se o essencial: aprender a viver juntos, a dar vez ao outro, a ser feliz fazendo o outro feliz.

Este é o grande desafio da humanidade e de cada um de nós! Ou vivemos na lógica do dom ou morreremos todos na lógica do ter, do consumir e gastar sempre mais! Ainda há tempo para reverter esse quadro ameaçador e construir, começando dentro de cada um de nós, o espaço amplo para a vida.

Frei Marconi Lins, OFM

sábado, 22 de janeiro de 2011

NOVOS NOVIÇOS NA PROVÍNCIA!

No dia 20 de janeiro de 2011, às nove horas, na igreja do Convento de Santo Antonio, em Lagoa Seca, PB, na presença dos confrades desta fraternidade e de outros vindos de diversos lugares – Frei Rogério Lopes (Fortaleza) Frei Edson Mendes (Mossoró), Frei Anastácio Ribeiro (João Pessoa), Frei Romualdo Araújo e Frei Zezinho (Penedo), Frei Gilberto Magno e Frei Jorge de Jesus (Teresina) – bem como amigos (as) dos frades, entre eles o Pe. Acírio de Medeiros (Paróquia Santa Rosa de Lima, Campina Grande), o Ministro Provincial, Frei Marconi Lins, recebeu para o ano de provação (noviciado) nesta Província Franciscana de Santo Antônio do Brasil, os seguintes postulantes:

1. JOSUÉ QUERINO ROCHA, nascido aos 27de dezembro de 1980, em Maceió – AL, batizado a 01 de março de 1981, filho de João Rocha e Josefa Querino Rocha.


2. RONALDO CÉSAR DE SOUZA SANTOS, nascido
aos 26 de março de 1986, em Limoeiro – PE, batizado aos 06 de dezembro de 1987, filho de Vicente dos Santos Rocha e Tereza de Souza Santos.

3. ELIELTON FRANCISCO DO NASCIMENTO,
nascido aos 18 de maio de 1986, em Recife – PE, batizado aos 09 de outubro de 1988, filho de Heraldo Francisco de Nascimento e Lindinalva Bezerra de Medeiros.

4. BRUNO FÁBIO DE SANTANA, nascido aos 09 de março de 1987, em Campina Grande – PB, batizado aos 11 de outubro de 1987, Heleno José de Santana e Maria do Carmo de Santana.


5. JOSAFÁ JOSÉ DA SILVA, nascido aos 24 de junho de 1987, em Vitória de Santo Antão – PE, batizado aos 07 de abril de 1988, filho de José Paulino da Silva e Maria Helena dos Santos Silva.
6. ARTUR BRUNO SECUNDINO MEDEIROS, nascido aos 19 de junho de 1990, em Canindé – CE, batizado aos 21 de abril de 1991, filho de José Mauro Freitas Medeiros e Francisca Celene Crisóstomo Secundino.

Após a vestição houve um momento de descontração e em seguida foi servido o almoço. À tarde o Ministro Provincial, Frei Marconi Lins, levou os noviços para serem apresentados às Irmãs Clarissas do Mosteiro de Santa Clara e aos confrades da Fraternidade de Campina Grande.


Já no dia 21 foram iniciadas as atividades formativas com Frei Erivaldo Valdomiro e Frei Sérgio Moura fazendo uma Introdução à Liturgia e em particular Liturgia das Horas. E a partir do dia 26/01 Frei Sinésio Araújo refletirá com os noviços os Princípios da Justiça, Paz e Integridade da Criação – JPIC.

No próximo dia 02 de fevereiro, deste ano, será a vez dos noviços/2010 emitirem os seus votos. Será às 09h na celebração Eucarística na igreja do Convento de Santo Antonio de Lagoa Seca. Os confrades que vierem participar desta celebração comuniquem ao Guardião, Frei Osmar da Silva.

Frei Josafá, Frei Elieton, Frei Artur, Frei Osmar, Frei Marconi, Frei Fernandes, Frei Ronaldo, Frei Bruno e Frei Josué.


Frei José Carlos Fernandes, OFM
Mestre dos Noviços

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

FRANCISCO DE ASSIS, MESTRE DA CONVIVIALIDADE COM A CRIAÇÃO

A catástrofe que se abateu sobre a região serrana do Rio de Janeiro, como também em outras regiões do Brasil e do mundo, mostra-nos claramente que vivemos num planeta que é um ser vivo. Com a Terra temos que nos comunicar, ouvir sua voz e interagir com seu ciclo vital.

Com tantas vidas ceifadas, com tanta dor cravada nos corações de quem perdeu parentes e tudo o que possuía, principalmente sua habitação, é natural que surjam perguntas e interrogações intrigantes, pois o que aconteceu vai deixar marcas que, talvez, jamais serão apagadas!

De quem é a culpa por tudo o que aconteceu? Podemos dizer que sãos muitos os envolvidos! Nada de jogá-la para Deus, atribuindo-a a Seus castigos! Até o final da vida deste planeta Terra, melhor ainda seria chamá-lo planeta Água, muitas coisas vão acontecer: muitas catástrofes virão e a abundancia das colheitas como presente generoso de nossa Mãe Terra, nos darão vida e alegria!

Chegou a hora de pensarmos seriamente em viver em sintonia e harmonia com nosso planeta. Não podemos transformar nosso quintal nem o oitão de nossa casa em lixão; também não podemos fazer do córrego ou do rio que corta nossa cidade um esgoto a céu aberto... Temos que construir nossas casas em lugares que não agridam o meio ambiente fragilizando o solo e sua capacidade natural de sustentabilidade.

Tudo isso parece uma ilusão quando falamos de um planeta com mais de seis bilhões de habitantes e com tanta desigualdade social e onde a mola mestra que move nossa vida é a economia de mercado, que em nome do lucro é capaz de destruir florestas, rios e contaminar os mares! Mas não tem saída! Se quisermos viver neste planeta e garantir a vida das futuras gerações, temos que nos comunicar, dialogar e interagir com nossa Mãe Terra! E aí, surge Francisco de Assis como mestre no assunto!

Francisco descobriu que o sentido da vida é dialogar e viver em comunhão com Deus, com as pessoas e com a natureza! Somente vivendo assim a gente é capaz de compreender o sentido da vida e ser feliz! Em 1225, um ano antes de sua morte, Francisco compôs o Cântico do Irmão Sol no qual louva a Deus pela criação: “Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água que é muito útil e humilde e preciosa e casta. Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã nossa, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz diversos frutos com coloridas flores e ervas”

Francisco de Assis entrou em tal sintonia com as criaturas de Deus que com elas irmanou chamando a todas “irmãs”. Em tudo percebia os vestígios, os sinais do amor e do poder do Altíssimo e bom Senhor, nosso Deus. Por esta razão, o texto-base da Campanha da Fraternidade 2011 nos propõe que redescubramos a pessoa de São Francisco de Assis, que muito nos ajudará a meditar o tema da Campanha deste ano que será “Fraternidade e a vida no planeta”.

Francisco de Assis não só fez a parte dele em relação ao cuidado com a natureza, no século XIII, mas nos ajudará hoje a encontrarmos alternativas para uma convivialidade harmoniosa, respeitosa e reverente nossa com toda a criação.

Frei Marconi Lins, OFM

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A CAMINHO DAS COMEMORAÇÕES DOS 25 DO ESPÍRITO DE ASSIS


No dia 1º de janeiro, em sua mensagem ao mundo, na Praça de São Pedro, durante a oração do Angelus, o papa Bento XVI, manifestou seu desejo de estar em Assis, cidade de São Francisco, para comemorar o 25º aniversário da Jornada Mundial de Oração pela Paz, que o papa João Paulo II, convocou e realizou no dia 27 de outubro de 1986.


João Paulo II com seu entusiasmo e carisma, convocou os líderes de todas as grandes religiões do mundo para uma jornada de oração pela paz do mundo, justamente na cidade onde nasceu São Francisco, Assis, na região da Úmbria, Itália. Este acontecimento que está para completar 25 anos, ficou conhecido como “o espírito de Assis”. Realmente, é impossível lembrar São Francisco ou visitar a pequena Assis, sem evocar a paz, tão cantada, rezada e vivida por ele.


A vida de nosso querido santo de Assis, nos mostra muitas passagens em que ele fala da paz como um dom precioso que nos foi dado pelo próprio Cristo, o Príncipe da paz. Isso afirma São Francisco em sua 15ª Admoestação aos seus frades: “Bem-aventurados os pacíficos, porque eles serão chamados filhos de Deus’ (Mt 5,9). São verdadeiramente pacíficos os que, no meio de tudo quanto padecem neste mundo, se conservam em paz, interior e exteriormente, por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo”.


Nós franciscanos e todos os que conhecem algo da vida de São Francisco, sempre recordamos a saudação que ele nos pediu que usássemos ao saudar as pessoas e que tem sua origem na saudação que Jesus dá a seus discípulos para a missão: “O Senhor te dê a paz!” Assim Francisco nos fala em seu Testamento: “Como saudação, revelou o Senhor que disséssemos: ‘O Senhor te dê a paz” (Test 6,23). Já a outra saudação franciscana hoje muito difundida e usada por muita gente – “Paz e Bem” - tem suas origens no costume do povo de Assis, talvez influenciado pelo ensinamentos do Mestre Rufino (bispo de Assis, na época em que São Francisco nasceu), que escrevera um tratado, "De Bono Pacis" - "O Bem da paz" .


A paz para São Francisco não é uma palavra que se pronuncia, mas um dom que se recebe do Altíssimo Senhor e que se transforma em compromisso, num modo de viver entre as pessoas – todos filhos e filhas de Deus, e com toda a criação. A paz nos leva a fazer o bem que de Deus recebemos.


No final de sua existência terrena, São Francisco compôs o Cântico do Irmão Sol para reconciliar o bispo e o prefeito de Assis que estavam brigados, acrescentando a estrofe que diz: “Louvado sejas, meu Senhor, por aqueles que perdoam pelo teu amor, e suportam enfermidade e tribulação. Bem-aventurados aqueles que as suportarem em paz porque por ti, Altíssimo, serão coroados”.


Vamos desde agora, nos preparar com a Ordem Franciscana e com a Igreja para celebrar os 25 anos do Espírito de Assis, a jornada mundial de oração celebrada por João Paulo II e os líderes das grandes religiões, no dia 27 de outubro de 1986, junto à igrejinha da Porciúncula, berço de nossa Ordem e lugar onde Francisco terminou seus dias neste mundo.


Proponho que você escreva e coloque em lugar visível, a seguinte afirmação: “Hoje, aonde quer que eu vá, quero ser portador do dom da paz que do Senhor recebi”. Desse modo, todos os dias, você estará se preparando para celebrar conosco o jubileu do “Espírito de Assis” em outubro deste ano. Paz e Bem!


Frei Marconi Lins, OFM

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O TEMPO: DOM GRATUITO DE DEUS

Estamos no início de mais um ano e, como sempre, fazemos planos e temos esperança de que muita coisa boa pode acontecer! É verdade que temos consciência das surpresas que nos podem advir durante os próximos 365 dias que temos pela frente!


O tempo que somente nós, neste planeta Terra, temos a graça de viver, é uma maneira da humanidade organizar e construir a grande aventura da existência humana que chamamos de história.


Conforme nossa compreensão do tempo, levando em conta a força do cristianismo, estamos no ano de 2011 depois do nascimento de Cristo. Como sabemos, outros povos e culturas tem outro modo de conceber e contar o tempo, com outro ponto de referencia que não coincide com o nosso calendário cristão.


Mas numa coisa todos nós coincidimos: o tempo é sagrado, é uma oportunidade e uma chance de vivermos nossa vida e organizarmos nosso dia a dia, de maneira que construamos através da ação humana a nossa história que tenha significado para nós e para os que virão depois de nós!


Gostaria de ilustrar a reflexão que estamos fazendo, referindo-me a São Francisco e a maneira como ele “gastava” seu tempo, como costumamos falar. Segundo Frei Tomás de Celano, primeiro a escrever a vida de São Francisco, “ele costumava dividir o tempo que tinha recebido para merecer a graça de Deus e, conforme a oportunidade, consagrar uma parte ao auxílio do próximo e outra à contemplação no retiro” (1C 91).


Com muita sabedoria, São Francisco compreendia o tempo como um dom, um presente recebido de Deus para “merecer a graça”, isto é, os favores divinos, a fidelidade e a lealdade de Deus que nos quer salvar e dar vida abundante. Neste sentido, São Francisco compreende muito bem que o tempo é graça de Deus e oportunidade amorosa que Ele nos dá e que não podemos desperdiçar nem jogar fora. Temos que, responsavelmente, merecer, isto é, acolher amorosamente e responsavelmente o que nos é oferecido gratuitamente pelo próprio Deus. Então, o tempo é dom de Deus, mas deve ser restituído a Deus, de acordo com o nosso projeto de vida, conforme o empregamos. E São Francisco optou dividir o tempo em duas partes, consagrando uma parte ao auxílio do próximo, isto é, ao serviço das pessoas que necessitavam dele, e outra para à contemplação no retiro, ou seja, para ouvir a Palavra de Deus, para louvá-Lo e agradecer por tudo o que Dele recebia.


Aproveito este modo sábio de viver e dividir o tempo que São Francisco viveu em sua vida para propor a todos nós que neste ano novo, que há pouco iniciamos, saibamos viver para nosso próximo e para Deus. Desta forma não nos faltará tempo e não precisaremos fazer tantos planos de gerenciamento do tempo e outras coisas mirabolantes ensinadas em cursos especiais e que muitas vezes, não dão os efeitos esperados.


Vivamos este ano dentro do modo franciscano de conceber o tempo e não nos frustraremos, dizendo vou dar um tempo para mim, e admitindo que, muitas vezes, foi uma perda de tempo, um desperdício do que é valioso e não volta mais!


Quando o tempo é concebido e vivido com dom de Deus e oportunidade para fazer o bem e louvar ao Senhor, o tempo flui normalmente, sem o desgaste estressante do tempo vivido pela maior parte das pessoas, talvez, nós mesmos!


Vamos então, entrar na lógica do pobre de Assis, do homem que marcou a história humana só porque soube viver para o próximo e para Deus e por isso, o grande poeta italiano Dante Alighieri, referindo-se ao nascimento de São Francisco afirmou: “nasceu para o mundo um sol” (Divina Comédia, Paraíso, Canto XI). De fato, Francisco viveu o tempo que Deus lhe concedeu e construiu sua história na Luz que é o próprio Jesus, “luz do mundo” (Jo 8,12).


Frei Marconi Lins, OFM

sábado, 1 de janeiro de 2011

MENSAGEM DO PAPA PARA O DIA MUNDIAL DA PAZ 2011

MENSAGEM DE SUA SANTIDADE

BENTO XVI

PARA A CELEBRAÇÃO DO
XLIV DIA MUNDIAL DA PAZ

1 DE JANEIRO DE 2011

LIBERDADE RELIGIOSA, CAMINHO PARA A PAZ


1. NO INÍCIO DE UM ANO NOVO, desejo fazer chegar a todos e cada um os meus votos: votos de serenidade e prosperidade, mas sobretudo votos de paz. Infelizmente também o ano que encerra as portas esteve marcado pela perseguição, pela discriminação, por terríveis actos de violência e de intolerância religiosa.


Penso, em particular, na amada terra do Iraque, que, no seu caminho para a desejada estabilidade e reconciliação, continua a ser cenário de violências e atentados. Recordo as recentes tribulações da comunidade cristã, e de modo especial o vil ataque contra a catedral siro-católica de «Nossa Senhora do Perpétuo Socorro» em Bagdad, onde, no passado dia 31 de Outubro, foram assassinados dois sacerdotes e mais de cinquenta fiéis, quando se encontravam reunidos para a celebração da Santa Missa. A este ataque seguiram-se outros nos dias sucessivos, inclusive contra casas privadas, gerando medo na comunidade cristã e o desejo, por parte de muitos dos seus membros, de emigrar à procura de melhores condições de vida. Manifesto-lhes a minha solidariedade e a da Igreja inteira, sentimento que ainda recentemente teve uma concreta expressão na Assembleia Especial para o Médio Oriente do Sínodo dos Bispos, a qual encorajou as comunidades católicas no Iraque e em todo o Médio Oriente a viverem a comunhão e continuarem a oferecer um decidido testemunho de fé naquelas terras.

Agradeço vivamente aos governos que se esforçam por aliviar os sofrimentos destes irmãos em humanidade e convido os católicos a orarem pelos seus irmãos na fé que padecem violências e intolerâncias e a serem solidários com eles. Neste contexto, achei particularmente oportuno partilhar com todos vós algumas reflexões sobre a liberdade religiosa, caminho para a paz. De facto, é doloroso constatar que, em algumas regiões do mundo, não é possível professar e exprimir livremente a própria religião sem pôr em risco a vida e a liberdade pessoal. Noutras regiões, há formas mais silenciosas e sofisticadas de preconceito e oposição contra os crentes e os símbolos religiosos. Os cristãos são, actualmente, o grupo religioso que padece o maior número de perseguições devido à própria fé. Muitos suportam diariamente ofensas e vivem frequentemente em sobressalto por causa da sua procura da verdade, da sua fé em Jesus Cristo e do seu apelo sincero para que seja reconhecida a liberdade religiosa. Não se pode aceitar nada disto, porque constitui uma ofensa a Deus e à dignidade humana; além disso, é uma ameaça à segurança e à paz e impede a realização de um desenvolvimento humano autêntico e integral.[1]

De facto, na liberdade religiosa exprime-se a especificidade da pessoa humana, que, por ela, pode orientar a própria vida pessoal e social para Deus, a cuja luz se compreendem plenamente a identidade, o sentido e o fim da pessoa. Negar ou limitar arbitrariamente esta liberdade significa cultivar uma visão redutiva da pessoa humana; obscurecer a função pública da religião significa gerar uma sociedade injusta, porque esta seria desproporcionada à verdadeira natureza da pessoa; isto significa tornar impossível a afirmação de uma paz autêntica e duradoura para toda a família humana.

Por isso, exorto os homens e mulheres de boa vontade a renovarem o seu compromisso pela construção de um mundo onde todos sejam livres para professar a sua própria religião ou a sua fé e viver o seu amor a Deus com todo o coração, toda a alma e toda a mente (cf. Mt 22, 37). Este é o sentimento que inspira e guia a Mensagem para o XLIV Dia Mundial da Paz, dedicada ao tema: Liberdade religiosa, caminho para a paz.

Direito sagrado à vida e a uma vida espiritual

2. O direito à liberdade religiosa está radicado na própria dignidade da pessoa humana,[2]cuja natureza transcendente não deve ser ignorada ou negligenciada. Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 27). Por isso, toda a pessoa é titular do direito sagrado a uma vida íntegra, mesmo do ponto de vista espiritual. Sem o reconhecimento do próprio ser espiritual, sem a abertura ao transcendente, a pessoa humana retrai-se sobre si mesma, não consegue encontrar resposta para as perguntas do seu coração sobre o sentido da vida e dotar-se de valores e princípios éticos duradouros, nem consegue sequer experimentar uma liberdade autêntica e desenvolver uma sociedade justa.[3]

A Sagrada Escritura, em sintonia com a nossa própria experiência, revela o valor profundo da dignidade humana: «Quando contemplo os céus, obra das vossas mãos, a lua e as estrelas que lá colocastes, que é o homem para que Vos lembreis dele, o filho do homem para dele Vos ocupardes? Fizestes dele quase um ser divino, de honra e glória o coroastes; destes-lhe poder sobre a obra das vossas mãos, tudo submetestes a seus pés» (Sl 8, 4-7).

Perante a sublime realidade da natureza humana, podemos experimentar a mesma admiração expressa pelo salmista. Esta manifesta-se como abertura ao Mistério, como capacidade de interrogar-se profundamente sobre si mesmo e sobre a origem do universo, como íntima ressonância do Amor supremo de Deus, princípio e fim de todas as coisas, de cada pessoa e dos povos.[4] A dignidade transcendente da pessoa é um valor essencial da sabedoria judaico-cristã, mas, graças à razão, pode ser reconhecida por todos. Esta dignidade, entendida como capacidade de transcender a própria materialidade e buscar a verdade, há-de ser reconhecida como um bem universal, indispensável na construção duma sociedade orientada para a realização e a plenitude do homem. O respeito de elementos essenciais da dignidade do homem, tais como o direito à vida e o direito à liberdade religiosa, é uma condição da legitimidade moral de toda a norma social e jurídica.

Liberdade religiosa e respeito recíproco

3. A liberdade religiosa está na origem da liberdade moral. Com efeito, a abertura à verdade e ao bem, a abertura a Deus, radicada na natureza humana, confere plena dignidade a cada um dos seres humanos e é garante do respeito pleno e recíproco entre as pessoas. Por conseguinte, a liberdade religiosa deve ser entendida não só como imunidade da coacção mas também, e antes ainda, como capacidade de organizar as próprias opções segundo a verdade.

Existe uma ligação indivisível entre liberdade e respeito; de facto, «cada homem e cada grupo social estão moralmente obrigados, no exercício dos próprios direitos, a ter em conta os direitos alheios e os seus próprios deveres para com os outros e o bem comum».[5]

Uma liberdade hostil ou indiferente a Deus acaba por se negar a si mesma e não garante o pleno respeito do outro. Uma vontade, que se crê radicalmente incapaz de procurar a verdade e o bem, não tem outras razões objectivas nem outros motivos para agir senão os impostos pelos seus interesses momentâneos e contingentes, não tem uma «identidade» a preservar e construir através de opções verdadeiramente livres e conscientes. Mas assim não pode reclamar o respeito por parte de outras «vontades», também estas desligadas do próprio ser mais profundo e capazes, por conseguinte, de fazer valer outras «razões» ou mesmo nenhuma «razão». A ilusão de encontrar no relativismo moral a chave para uma pacífica convivência é, na realidade, a origem da divisão e da negação da dignidade dos seres humanos. Por isso se compreende a necessidade de reconhecer uma dupla dimensão na unidade da pessoa humana: a religiosa e asocial. A este respeito, é inconcebível que os crentes «tenham de suprimir uma parte de si mesmos – a sua fé – para serem cidadãos activos; nunca deveria ser necessário renegar a Deus, para se poder gozar dos próprios direitos».[6]

A família, escola de liberdade e de paz

4. Se a liberdade religiosa é caminho para a paz, a educação religiosa é estrada privilegiada para habilitar as novas gerações a reconhecerem no outro o seu próprio irmão e a sua própria irmã, com quem caminhar juntos e colaborar para que todos se sintam membros vivos de uma mesma família humana, da qual ninguém deve ser excluído.

A família fundada sobre o matrimónio, expressão de união íntima e de complementaridade entre um homem e uma mulher, insere-se neste contexto como a primeira escola de formação e de crescimento social, cultural, moral e espiritual dos filhos, que deveriam encontrar sempre no pai e na mãe as primeiras testemunhas de uma vida orientada para a busca da verdade e para o amor de Deus. Os próprios pais deveriam ser sempre livres para transmitir, sem constrições e responsavelmente, o próprio património de fé, de valores e de cultura aos filhos. A família, primeira célula da sociedade humana, permanece o âmbito primário de formação para relações harmoniosas a todos os níveis de convivência humana, nacional e internacional. Esta é a estrada que se há-de sapientemente percorrer para a construção de um tecido social robusto e solidário, para preparar os jovens à assunção das próprias responsabilidades na vida, numa sociedade livre, num espírito de compreensão e de paz.

Um património comum

5. Poder-se-ia dizer que, entre os direitos e as liberdades fundamentais radicados na dignidade da pessoa, a liberdade religiosa goza de um estatuto especial. Quando se reconhece a liberdade religiosa, a dignidade da pessoa humana é respeitada na sua raiz e reforça-se a índole e as instituições dos povos. Pelo contrário, quando a liberdade religiosa é negada, quando se tenta impedir de professar a própria religião ou a própria fé e de viver de acordo com elas, ofende-se a dignidade humana e, simultaneamente, acabam ameaçadas a justiça e a paz, que se apoiam sobre a recta ordem social construída à luz da Suma Verdade e do Sumo Bem.

Neste sentido, a liberdade religiosa é também uma aquisição de civilização política e jurídica. Trata-se de um bem essencial: toda a pessoa deve poder exercer livremente o direito de professar e manifestar, individual ou comunitariamente, a própria religião ou a própria fé, tanto em público como privadamente, no ensino, nos costumes, nas publicações, no culto e na observância dos ritos. Não deveria encontrar obstáculos, se quisesse eventualmente aderir a outra religião ou não professar religião alguma. Neste âmbito, revela-se emblemático e é uma referência essencial para os Estados o ordenamento internacional, enquanto não consente alguma derrogação da liberdade religiosa, salvo a legítima exigência da justa ordem pública.[7]Deste modo, o ordenamento internacional reconhece aos direitos de natureza religiosa o mesmo status do direito à vida e à liberdade pessoal, comprovando a sua pertença ao núcleo essencial dos direitos do homem, àqueles direitos universais e naturais que a lei humana não pode jamais negar.

A liberdade religiosa não é património exclusivo dos crentes, mas da família inteira dos povos da terra. É elemento imprescindível de um Estado de direito; não pode ser negada, sem ao mesmo tempo minar todos os direitos e as liberdades fundamentais, pois é a sua síntese e ápice. É «o papel de tornassol para verificar o respeito de todos os outros direitos humanos».[8] Ao mesmo tempo que favorece o exercício das faculdades humanas mais específicas, cria as premissas necessárias para a realização de um desenvolvimento integral, que diz respeito unitariamente à totalidade da pessoa em cada uma das suas dimensões.[9]

A dimensão pública da religião

6. Embora movendo-se a partir da esfera pessoal, a liberdade religiosa – como qualquer outra liberdade – realiza-se na relação com os outros. Uma liberdade sem relação não é liberdade perfeita. Também a liberdade religiosa não se esgota na dimensão individual, mas realiza-se na própria comunidade e na sociedade, coerentemente com o ser relacional da pessoa e com a natureza pública da religião.

O relacionamento é uma componente decisiva da liberdade religiosa, que impele as comunidades dos crentes a praticarem a solidariedade em prol do bem comum. Cada pessoa permanece única e irrepetível e, ao mesmo tempo, completa-se e realiza-se plenamente nesta dimensão comunitária.
Inegável é a contribuição que as religiões prestam à sociedade. São numerosas as instituições caritativas e culturais que atestam o papel construtivo dos crentes na vida social. Ainda mais importante é a contribuição ética da religião no âmbito político. Tal contribuição não deveria ser marginalizada ou proibida, mas vista como válida ajuda para a promoção do bem comum. Nesta perspectiva, é preciso mencionar a dimensão religiosa da cultura, tecida através dos séculos graças às contribuições sociais e sobretudo éticas da religião. Tal dimensão não constitui de modo algum uma discriminação daqueles que não partilham a sua crença, mas antes reforça a coesão social, a integração e a solidariedade.

Liberdade religiosa, força de liberdade e de civilização:
os perigos da sua instrumentalização

7. A instrumentalização da liberdade religiosa para mascarar interesses ocultos, como por exemplo a subversão da ordem constituída, a apropriação de recursos ou a manutenção do poder por parte de um grupo, pode provocar danos enormes às sociedades. O fanatismo, o fundamentalismo, as práticas contrárias à dignidade humana não se podem jamais justificar, e menos ainda o podem ser se realizadas em nome da religião. A profissão de uma religião não pode ser instrumentalizada, nem imposta pela força. Por isso, é necessário que os Estados e as várias comunidades humanas nunca se esqueçam que a liberdade religiosa é condição para a busca da verdade e que a verdade não se impõe pela violência mas pela «força da própria verdade».[10] Neste sentido, a religião é uma força positiva e propulsora na construção da sociedade civil e política.

Como se pode negar a contribuição das grandes religiões do mundo para o desenvolvimento da civilização? A busca sincera de Deus levou a um respeito maior da dignidade do homem. As comunidades cristãs, com o seu património de valores e princípios, contribuíram imenso para a tomada de consciência das pessoas e dos povos a respeito da sua própria identidade e dignidade, bem como para a conquista de instituições democráticas e para a afirmação dos direitos do homem e seus correlativos deveres.

Também hoje, numa sociedade cada vez mais globalizada, os cristãos são chamados – não só através de um responsável empenhamento civil, económico e político, mas também com o testemunho da própria caridade e fé – a oferecer a sua preciosa contribuição para o árduo e exaltante compromisso em prol da justiça, do desenvolvimento humano integral e do recto ordenamento das realidades humanas. A exclusão da religião da vida pública subtrai a esta um espaço vital que abre para a transcendência. Sem esta experiência primária, revela-se uma tarefa árdua orientar as sociedades para princípios éticos universais e torna-se difícil estabelecer ordenamentos nacionais e internacionais nos quais os direitos e as liberdades fundamentais possam ser plenamente reconhecidos e realizados, como se propõem os objectivos – infelizmente ainda menosprezados ou contestados – da Declaração Universal dos direitos do homem de 1948.

Uma questão de justiça e de civilização:
o fundamentalismo e a hostilidade contra os crentes prejudicam
a laicidade positiva dos Estados

8. A mesma determinação, com que são condenadas todas as formas de fanatismo e de fundamentalismo religioso, deve animar também a oposição a todas as formas de hostilidade contra a religião, que limitam o papel público dos crentes na vida civil e política.

Não se pode esquecer que o fundamentalismo religioso e o laicismo são formas reverberadas e extremas de rejeição do legítimo pluralismo e do princípio de laicidade. De facto, ambas absolutizam uma visão redutiva e parcial da pessoa humana, favorecendo formas, no primeiro caso, de integralismo religioso e, no segundo, de racionalismo. A sociedade, que quer impor ou, ao contrário, negar a religião por meio da violência, é injusta para com a pessoa e para com Deus, mas também para consigo mesma. Deus chama a Si a humanidade através de um desígnio de amor, o qual, ao mesmo tempo que implica a pessoa inteira na sua dimensão natural e espiritual, exige que lhe corresponda em termos de liberdade e de responsabilidade, com todo o coração e com todo o próprio ser, individual e comunitário. Sendo assim, também a sociedade, enquanto expressão da pessoa e do conjunto das suas dimensões constitutivas, deve viver e organizar-se de modo a favorecer a sua abertura à transcendência. Por isso mesmo, as leis e as instituições duma sociedade não podem ser configuradas ignorando a dimensão religiosa dos cidadãos ou de modo que prescindam completamente da mesma; mas devem ser comensuradas – através da obra democrática de cidadãos conscientes da sua alta vocação – ao ser da pessoa, para o poderem favorecer na sua dimensão religiosa. Não sendo esta uma criação do Estado, não pode ser manipulada, antes deve contar com o seu reconhecimento e respeito.
O ordenamento jurídico a todos os níveis, nacional e internacional, quando consente ou tolera o fanatismo religioso ou anti-religioso, falta à sua própria missão, que consiste em tutelar e promover a justiça e o direito de cada um. Tais realidades não podem ser deixadas à mercê do arbítrio do legislador ou da maioria, porque, como já ensinava Cícero, a justiça consiste em algo mais do que um mero acto produtivo da lei e da sua aplicação. A justiça implicareconhecer a cada um a sua dignidade,[11] a qual, sem liberdade religiosa garantida e vivida na sua essência, fica mutilada e ofendida, exposta ao risco de cair sob o predomínio dos ídolos, de bens relativos transformados em absolutos. Tudo isto expõe a sociedade ao risco de totalitarismos políticos e ideológicos, que enfatizam o poder público, ao mesmo tempo que são mortificadas e coarctadas, como se lhe fizessem concorrência, as liberdades de consciência, de pensamento e de religião.

Diálogo entre instituições civis e religiosas

9. O património de princípios e valores expressos por uma religiosidade autêntica é uma riqueza para os povos e respectivas índoles: fala directamente à consciência e à razão dos homens e mulheres, lembra o imperativo da conversão moral, motiva para aperfeiçoar a prática das virtudes e aproximar-se amistosamente um do outro sob o signo da fraternidade, como membros da grande família humana.[12]
No respeito da laicidade positiva das instituições estatais, a dimensão pública da religião deve ser sempre reconhecida. Para isso, um diálogo sadio entre as instituições civis e as religiosas é fundamental para o
desenvolvimento integral da pessoa humana e da harmonia da sociedade.

Viver no amor e na verdade

10. No mundo globalizado, caracterizado por sociedades sempre mais multiétnicas e pluriconfessionais, as grandes religiões podem constituir um factor importante de unidade e paz para a família humana. Com base nas suas próprias convicções religiosas e na busca racional do bem comum, os seus membros são chamados a viver responsavelmente o próprio compromisso num contexto de liberdade religiosa. Nas variadas culturas religiosas, enquanto há que rejeitar tudo aquilo que é contra a dignidade do homem e da mulher, é preciso, ao contrário, valer-se daquilo que resulta positivo para a convivência civil.

O espaço público, que a comunidade internacional torna disponível para as religiões e para a sua proposta de «vida boa», favorece o aparecimento de uma medida compartilhável de verdade e de bem e ainda de um consenso moral, que são fundamentais para uma convivência justa e pacífica. Os líderes das grandes religiões, pela sua função, influência e autoridade nas respectivas comunidades, são os primeiros a ser chamados ao respeito recíproco e ao diálogo.

Os cristãos, por sua vez, são solicitados pela sua própria fé em Deus, Pai do Senhor Jesus Cristo, a viver como irmãos que se encontram na Igreja e colaboram para a edificação de um mundo, onde as pessoas e os povos «não mais praticarão o mal nem a destruição (...), porque o conhecimento do Senhor encherá a terra, como as águas enchem o leito do mar» (Is 11, 9).

Diálogo como busca em comum

11. Para a Igreja, o diálogo entre os membros de diversas religiões constitui um instrumento importante para colaborar com todas as comunidades religiosas para o bem comum. A própria Igreja nada rejeita do que nessas religiões existe de verdadeiro e santo. «Olha com sincero respeito esses modos de agir e viver, esses preceitos e doutrinas que, embora se afastem em muitos pontos daqueles que ela própria segue e propõe, todavia reflectem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os homens».[13]

A estrada indicada não é a do relativismo nem do sincretismo religioso. De facto, a Igreja «anuncia, e tem mesmo a obrigação de anunciar incessantemente Cristo, “caminho, verdade e vida” (Jo 14, 6), em quem os homens encontram a plenitude da vida religiosa e no qual Deus reconciliou consigo mesmo todas as coisas».[14] Todavia isto não exclui o diálogo e a busca comum da verdade em diversos âmbitos vitais, porque, como diz uma expressão usada frequentemente por São Tomás de Aquino, «toda a verdade, independentemente de quem a diga, provém do Espírito Santo».[15]

Em 2011, tem lugar o 25º aniversário da Jornada Mundial de Oração pela Paz, que o Venerável Papa João Paulo II convocou em Assis em 1986. Naquela ocasião, os líderes das grandes religiões do mundo deram testemunho da religião como sendo um factor de união e paz, e não de divisão e conflito. A recordação daquela experiência é motivo de esperança para um futuro onde todos os crentes se sintam e se tornem autenticamente obreiros de justiça e de paz.

Verdade moral na política e na diplomacia

12. A política e a diplomacia deveriam olhar para o património moral e espiritual oferecido pelas grandes religiões do mundo, para reconhecer e afirmar verdades, princípios e valores universais que não podem ser negados sem, com os mesmos, negar-se a dignidade da pessoa humana. Mas, em termos práticos, que significa promover a verdade moral no mundo da política e da diplomacia? Quer dizer agir de maneira responsável com base no conhecimento objectivo e integral dos factos; quer dizer desmantelar ideologias políticas que acabam por suplantar a verdade e a dignidade humana e pretendem promover pseudo-valores com o pretexto da paz, do desenvolvimento e dos direitos humanos; quer dizer favorecer um empenho constante de fundar a lei positiva sobre os princípios da lei natural.[16] Tudo isto é necessário e coerente com o respeito da dignidade e do valor da pessoa humana, sancionado pelos povos da terra na Carta da Organização das Nações Unidas de 1945, que apresenta valores e princípios morais universais de referência para as normas, as instituições, os sistemas de convivência a nível nacional e internacional.

Para além do ódio e do preconceito

13. Não obstante os ensinamentos da história e o compromisso dos Estados, das organizações internacionais a nível mundial e local, das organizações não governamentais e de todos os homens e mulheres de boa vontade que cada dia se empenham pela tutela dos direitos e das liberdades fundamentais, ainda hoje no mundo se registam perseguições, descriminações, actos de violência e de intolerância baseados na religião. De modo particular na Ásia e na África, as principais vítimas são os membros das minorias religiosas, a quem é impedido de professar livremente a própria religião ou mudar para outra, através da intimidação e da violação dos direitos, das liberdades fundamentais e dos bens essenciais, chegando até à privação da liberdade pessoal ou da própria vida.

Temos depois, como já disse, formas mais sofisticadas de hostilidade contra a religião, que nos países ocidentais se exprimem por vezes com a renegação da própria história e dos símbolos religiosos nos quais se reflectem a identidade e a cultura da maioria dos cidadãos. Frequentemente tais formas fomentam o ódio e o preconceito e não são coerentes com uma visão serena e equilibrada do pluralismo e da laicidade das instituições, sem contar que as novas gerações correm o risco de não entrar em contacto com o precioso património espiritual dos seus países.
A defesa da religião passa pela defesa dos direitos e liberdades das comunidades religiosas. Assim, os líderes das grandes religiões do mundo e os responsáveis das nações renovem o compromisso pela promoção e a tutela da liberdade religiosa, em particular pela defesa das minorias religiosas; estas não constituem uma ameaça contra a identidade da maioria, antes, pelo contrário, são uma oportunidade para o diálogo e o mútuo enriquecimento cultural. A sua defesa representa a maneira ideal para consolidar o espírito de benevolência, abertura e reciprocidade com que se há-de tutelar os direitos e as liberdades fundamentais em todas as áreas e regiões do mundo.

Liberdade religiosa no mundo

14. Dirijo-me, por fim, às comunidades cristãs que sofrem perseguições, discriminações, actos de violência e intolerância, particularmente na Ásia, na África, no Médio Oriente e de modo especial na Terra Santa, lugar escolhido e abençoado por Deus. Ao mesmo tempo que lhes renovo a expressão do meu afecto paterno e asseguro a minha oração, peço a todos os responsáveis que intervenham prontamente para pôr fim a toda a violência contra os cristãos que habitam naquelas regiões. Que os discípulos de Cristo não desanimem com as presentes adversidades, porque o testemunho do Evangelho é e será sempre sinal de contradição.
Meditemos no nosso coração as palavras do Senhor Jesus: «Felizes os que choram, porque hão-se ser consolados. (...) Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. (...) Felizes sereis quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentido, vos acusarem de toda a espécie de mal. Alegrai-vos e exultai, pois é grande nos Céus a vossa recompensa» (Mt 5, 4-12). Por isso, renovemos «o compromisso por nós assumido no sentido da indulgência e do perdão – que invocamos de Deus para nós, no “Pai-nosso” – por havermos posto, nós próprios, a condição e a medida da desejada misericórdia: “perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”(Mt 6, 12)».[17] A violência não se vence com a violência. O nosso grito de dor seja sempre acompanhado pela fé, pela esperança e pelo testemunho do amor de Deus. Faço votos também de que cessem no Ocidente, especialmente na Europa, a hostilidade e os preconceitos contra os cristãos pelo facto de estes pretenderem orientar a própria vida de modo coerente com os valores e os princípios expressos no Evangelho. Mais ainda, que a Europa saiba reconciliar-se com as próprias raízes cristãs, que são fundamentais para compreender o papel que teve, tem e pretende ter na história; saberá assim experimentar justiça, concórdia e paz, cultivando um diálogo sincero com todos os povos.

Liberdade religiosa, caminho para a paz

15. O mundo tem necessidade de Deus; tem necessidade de valores éticos e espirituais, universais e compartilhados, e a religião pode oferecer uma contribuição preciosa na sua busca, para a construção de uma ordem social justa e pacífica a nível nacional e internacional.

A paz é um dom de Deus e, ao mesmo tempo, um projecto a realizar, nunca totalmente cumprido. Uma sociedade reconciliada com Deus está mais perto da paz, que não é simples ausência de guerra, nem mero fruto do predomínio militar ou económico, e menos ainda de astúcias enganadoras ou de hábeis manipulações. Pelo contrário, a paz é o resultado de um processo de purificação e elevação cultural, moral e espiritual de cada pessoa e povo, no qual a dignidade humana é plenamente respeitada. Convido todos aqueles que desejam tornar-se obreiros de paz e sobretudo os jovens a prestarem ouvidos à própria voz interior, para encontrar em Deus a referência estável para a conquista de uma liberdade autêntica, a força inesgotável para orientar o mundo com um espírito novo, capaz de não repetir os erros do passado. Como ensina o Servo de Deus Papa Paulo VI, a cuja sabedoria e clarividência se deve a instituição do Dia Mundial da Paz, «é preciso, antes de mais nada, proporcionar à Paz outras armas, que não aquelas que se destinam a matar e a exterminar a humanidade. São necessárias sobretudo as armas morais, que dão força e prestígio ao direito internacional; aquela arma, em primeiro lugar, da observância dos pactos».[18] A liberdade religiosa é uma autêntica arma da paz, com uma missão histórica e profética. De facto, ela valoriza e faz frutificar as qualidades e potencialidades mais profundas da pessoa humana, capazes de mudar e tornar melhor o mundo; consente alimentar a esperança num futuro de justiça e de paz, mesmo diante das graves injustiças e das misérias materiais e morais. Que todos os homens e as sociedades aos diversos níveis e nos vários ângulos da terra possam brevemente experimentar aliberdade religiosa, caminho para a paz!


Vaticano, 8 de Dezembro de 2010.

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